O sono é um momento importante em que diversos processos biológicos vitais ocorrem, incluindo a recuperação, restauração e comunicação entre o corpo e o cérebro. Contudo, apesar do fato de que todos precisamos de sono, sua finalidade biológica ainda é desconhecida. 1
Para atletas, um sono de boa qualidade é essencial para evitar lesões, o que melhora o descanso e o rendimento esportivo, além de promover mais clareza mental na hora de superar os adversários.
Neste texto, vamos explorar os diferentes estágios do sono e o impacto deles no bem-estar mental e físico dos atletas. Também vamos analisar como dormir pouco ou dormir demais pode desequilibrar seu desempenho, e se existe uma quantidade ideal de horas para que você tenha o melhor rendimento possível.
A ciência por trás dos estágios do sono
Na primeira parte de nossa série sobre o sono, vamos explorar como o exercício afeta o sono. Além da regularidade e da qualidade, os diferentes estágios de sono e a quantidade total de sono também exercem um papel fundamental, talvez até o mais importante de todos.
O que sabemos sobre o sono acontece em estágios distintos e se repete em ciclos de sono:

Os estágios do sono mais importantes e conhecidos são o sono profundo e o sono REM, assim denominado devido aos movimentos rápidos dos olhos (“Rapid Eye Movement: REM”). Os estágios do sono se repetem no decorrer da noite, mas variam em extensão e frequência dentro do tempo total de sono. Esses estágios são medidos e classificados com base na frequência das ondas cerebrais.2
Sono profundo – o energizador
O sono ocorre em ciclos, geralmente na ordem a seguir: N1, N2, N3, N2 e REM, com cada ciclo completo durando aproximadamente entre 90 a 110 minutos. Os estágios N2 e N3 são os estágios de sono profundos e são parte da fase de sono que não é REM. A maioria das pessoas passa cerca de 45% do sono no estágio N2 e não mais que 25% no estágio N3.2
O sono profundo, também conhecido como o sono de ondas baixas, é particularmente importante para a regeneração, restauração e formação de tecidos novos – principalmente tecidos musculares e do sistema imunológico. Durante esse estágio, o fluxo de sangue é dirigido ao cérebro, e a glândula pituitária libera o hormônio do crescimento para estimular o crescimento muscular e a recuperação dos músculos.3
Durante o estágio de sono profundo, os processos de crescimento e o processamento físico e estímulo do treino – essencial para o desenvolvimento muscular e a redução de gordura – funcionam em velocidade máxima. Estudos revelam que sono de má qualidade, incluindo a privação de sono, em particular durante esse estágio, pode causar redução da massa muscular esquelética e aumento de massa gorda.4
Sono REM – o Coach da mente
O sono REM, por outro lado, é a fase restauradora da mente e é essencial para a recuperação cognitiva, consolidação da memória e aprendizado de habilidades. Durante esse estágio, o cérebro fica altamente ativo, o metabolismo aumenta em torno de 20%,5 e também aumenta o ritmo do coração e da respiração. É nesse momento que ocorrem sonhos lúcidos.
A clareza mental e a cognição são particularmente importantes para o rendimento atlético, e ter um sono adequado pode render uma vantagem competitiva. Por exemplo, para jogadores de basquete, dormir mais horas por noite resultou em uma melhora na pontaria e do bem-estar físico e mental no treino e nas partidas.6

Quando é o melhor momento para acordar?
Idealmente, é melhor acordar durante a transição do sono REM para o sono leve, ou N1, pois é quando há propensão de ter menos desorientação. Como os ciclos do sono duram cerca de 90 minutos, se você monitorar o tempo para acordar durante os estágios de sono mais leves – ou usar um alarme inteligente que monitora seus padrões de sono – você irá melhorar a qualidade do seu sono e facilitará para cair no sono na noite seguinte.
Dormir durante o sono profundo costuma causar inércia do sono, um estado de desorientação, desequilíbrio da função cognitiva e uma sensação geral de estar grogue.7 Ainda assim, o exercício pode reduzir a inércia do sono pois promove estimulação de processos fisiológicos fundamentais no corpo e no cérebro quando você acordar.9
Acordar durante o sono REM pode ter efeitos similares porque a recuperação psicológica ainda estará inacabada. Contudo, como a atividade hormonal do estágio REM pela manhã se assemelha ao estágio ao acordar, despertar desse estágio de sono costuma ser mais fácil.
Uma falta consistente do estágio de sono REM pode causar irritabilidade, dificuldade na concentração e aumento da sensação de fome e agressividade.
Quanto mais alguém dormir, melhor?
Não,dormir demais nem sempre é bom. 10 Isso pode até indicar um problema de saúde inerente ou pode estar associado com problemas de saúde. Por exemplo, dormir regularmente por mais de 10 horas por dia está relacionado com índices altos de depressão e aumento do índice de massa corporal (IMC).11
Presume-se que isso se deve a níveis permanentemente elevados do hormônio do sono, a melatonina. No longo prazo, os desequilíbrios hormonais podem prejudicar a regulação de hormônios pelo corpo. Níveis permanentemente altos de melatonina também são a razão de algumas pessoas que dormem por muito tempo sentirem, ironicamente, cansaço constante e pouca energia.
Por outro lado, não ter um sono adequado também é um problema. A privação do sono está vinculada a um aumento do risco crônico de doenças e também pode ter um impacto negativo no sono para o desempenho atlético e a recuperação.
Alguns estudos mostram que atletas adolescentes que dormem consistentemente por menos de 8 horas durante a noite são mais propensos a ter lesões quando comparados com outros que dormem pelo menos 8 horas.12 Assim, encontrar o equilíbrio é o mais importante.
E não é só a quantidade de horas de sono que importa – a qualidade do sono também é essencial para definir seu desempenho e como você se sentirá no dia seguinte. Se você acordar com frequência durante a noite ou precisar levantar para ir ao banheiro, isso pode prejudicar a qualidade do seu sono.

Então, de quanto sono você realmente precisa?
No quesito sono não há uma quantidade igual que seja ideal para todos. A duração dos ciclos varia de uma pessoa para outra e depende de fatores como sua rotina de sono e a qualidade dele, o que explica o porquê de não haver uma quantidade ideal de sono estabelecida para todos.
Independente disso, para a maior parte das pessoas, o ideal é almejar dormir entre 6 a 9 horas por noite de sono de boa qualidade. Se você estiver nesse intervalo de sono e ainda assim acordar com cansaço, procure ajustar a duração do sono aos poucos ou melhore o ambiente onde você dorme e seus hábitos na hora de dormir.
Ferramentas como aplicativos de sono ou monitores corporais ajudam a controlar os padrões de sono e a ajustar o que funciona melhor para você.
É claro, nem todo mundo consegue cumprir com a quantidade ideal de sono todas as noites. E uma noite de sono ruim não é um problema tão sério, já que nosso corpo pode compensar facilmente pequenas deturpações no sono.
Dormir muito ou pouco durante período maiores de tempo, contudo, é definitivamente prejudicial e afeta o treino, o desempenho, a concentração e a saúde em geral.
Vamos recapitular
Priorize hábitos de sono saudáveis e tenha um ambiente para dormir que favoreça o seu sono. Cuide do seu descanso da mesma forma que cuida dos treinos e lembre-se de que a qualidade do descanso e da recuperação te ajuda a comparecer na próxima sessão com leveza, concentração e disposição para arrasar no tapete de treinos.
Fontes
[1] National Institute of Health. (2025). Brain Basics: Understanding Sleep.
[2] Patel AK, Reddy V, Shumway KR, et al. Physiology, Sleep Stages. [Updated 2024 Jan 26]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-.
[3] Harvard Health Publishing. (2025). How sleep boosts your energy.
[4] Song, J., Park, S. J., Choi, S., Han, M., Cho, Y., Oh, Y. H., & Park, S. M. (2023). Effect of changes in sleeping behavior on skeletal muscle and fat mass: a retrospective cohort study. BMC public health, 23(1), 1879.
[5] Peever, J., & Fuller, P. M. (2017). The Biology of REM Sleep. Current biology : CB, 27(22), R1237–R1248.
[6] Mah, C. D., Mah, K. E., Kezirian, E. J., & Dement, W. C. (2011). The effects of sleep extension on the athletic performance of collegiate basketball players. Sleep, 34(7), 943–950.
[7] Hilditch, C. J., & McHill, A. W. (2019). Sleep inertia: current insights. Nature and science of sleep, 11, 155–165.
[8] Burke, T. M., Scheer, F. A. J. L., Ronda, J. M., Czeisler, C. A., & Wright, K. P., Jr (2015). Sleep inertia, sleep homeostatic and circadian influences on higher-order cognitive functions. Journal of sleep research, 24(4), 364–371.
[9] Kovac, K., Vincent, G. E., Paterson, J. L., Reynolds, A., Aisbett, B., Hilditch, C. J., & Ferguson, S. A. (2021). The impact of a short burst of exercise on sleep inertia. Physiology & behavior, 242, 113617.
[10] NIH. (2021). Good Sleep for Good Health.
[11] Léger, D., Beck, F., Richard, J. B., Sauvet, F., & Faraut, B. (2014). The risks of sleeping "too much". Survey of a National Representative Sample of 24671 adults (INPES health barometer). PloS one, 9(9), e106950.
[12] Milewski, M. D., Skaggs, D. L., Bishop, G. A., Pace, J. L., Ibrahim, D. A., Wren, T. A., & Barzdukas, A. (2014). Chronic lack of sleep is associated with increased sports injuries in adolescent athletes. Journal of pediatric orthopedics, 34(2), 129–133.